segunda-feira, 17 de junho de 2013

Ativismo Judicial versus Inércia Legislativa

MAJOR SALES BRASIL
 Ativismo Judicial versus  Inércia Legislativa (II)
Um dos artigos de inspirados no Codex Civil francês de 1808 acolhido pelo nosso revogado Código Civil de 1916, era o seguinte:“Art. 76. A todo direito corresponde uma ação que o assegura”.

Tal regra, decorreu da luta pelos direitos civis que triunfou a partir da Revolução Francesa de 1789, vez que de nada adiantaria um direito sem o correspondente meio de torná-lo efetivo. Entre nós, isso continua a ocorrer em ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão enquanto o Legislativo não for obrigado a criar a regra legal específica, posto inexistir sansão alguma se não a fizer.

A Constituição de 1988 assegura aos brasileiros o direito à jurisdição dispondo que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, XXXV).

Muita gente reclama – e com razão – da lentidão do Judiciário. Mas é bom que se reconheça: a demanda por jurisdição cresceu enormemente após o advento da atual Carta Política, não tendo a Justiça acompanhado tal crescimento, que depende, também, de mais recursos visando à modernização e mudança de rotinas no âmbito interno e de leis que simplifiquem os procedimentos e a própria cultura judicial do país.

É verdade que muito se tem feito, mas é sempre preciso fazer mais e mais, para que, à final, o ônus constitucional imposto ao Judiciário da “razoázel duração do processo” (CF., art. 5º., LXXVIII) não seja apenas algo simbólico e possa ser satisfeito e usufruído normalmente por todo cidadão brasileiro massacrado pela demora do desfecho das demandas.

No ponto e diante da escassez de recursos, conforme o mantra da eficiência, “é preciso fazer mais com menos”, otimizando a prestação jurisdicional também com o apoio da sociedade civil, que pode participar com suas instituições via trabalho voluntário e outras formas de cooperação sem ou com reduzido ônus financeiro. Afinal, o Estado é de todos.

Em âmbito interno, sem aviltar a importância dos cargos e o trabalho judicial, afigura-se necessário, de um modo geral, a adoção de posturas condizentes com a modernidade como a inteira adoção do processo judicial eletrônico que propiciará eficácia e transparência à atividade judicante, bem como avaliação em tempo real, de modo a escoimá-la de acomodações, lerdeza, barreiras e pompas, estas, mais consentâneas com rituais de Roma antiga do que propriamente com os tempos atuais.

O Judiciário só tem a ganhar com a transparência e sua abertura aos reclamos da cidadania, inclusive no que tange à fiscalização de sua própria atividade que pode ser mais eficiente na entrega da prestação jurisdicional.

O momento, consoante abordado no artigo anterior, é de declínio do Legislativo, de hipertrofia do Executivo e, ao mesmo tempo, de uma alentada afirmação do Judiciário pela necessidade de se posicionar melhor entre os poderes e exercer com segurança papel mediador, moderador e decisório segundo os valores constitucionais, mormente os destinados à realização da cidadania.

É fato inegável que conflitos sociais e jurídicos crescem de forma assustadora no vácuo da inércia legislativa e também de leis e regulamentos inconstitucionais, sendo o Judiciário chamado não só para arbitrá-los segundo as leis existentes, mas, muitas vezes, tendo que formular a própria regra/solução de direito aplicável ao caso sub judice.

Não se advoga aqui, possa o Judiciário, atuando como legislador negativo no controle de constitucionalidade concentrado, convolar seu múnus em instrumento de legiferação positiva, isto é, criar a própria normal legal, atribuição própria do Legislativo, pois isso violaria a cláusula pétrea da separação de poderes (CF., art. 2º). O que faz nesse sistema, é retirar da ordem jurídica lei ou ato normativo inconstitucional, mas não, com todo respeito, preventivamente, censurar ou impedir o nascimento da lei ainda no âmbito legislativo, como visto em decisão recente do eminente Ministro Gilmar Mendes do STF.

Diante de tal quadro, o ativismo judicial é necessário, mas deve ser ponderado e razoável ao criar soluções substanciais que, embora não substituam o legislador, decorram apenas de omissões e erros desse último, vez que a inércia legislativa tem de alguma forma ser suprida.

A cada dia, se exige da Corte Constitucional maior sensibilidade política mirando o fortalecimento da democracia sobre a qual assenta o nosso sistema político-representativo de governo e a estrutura de Estado, sob pena de sua inércia levar os cidadãos a perderem a fé no próprio Poder Judiciário, o que seria uma verdadeira tragédia.

É fato que o legislador já não é o ‘sujeito omnipotens’ e o texto legal ao adentrar no mundo jurídico se desvincula do seu autor, sendo cada vez mais discutíveis o valor e validade de determinadas leis baixadas praticamente como representação da vontade única do(ª) presidente, governador(ª) e prefeito(ª), já que os parlamentos limitam-se a forma de aprovação mais deplorável que é a decorrente da omissão, como nas medidas provisórias não apreciadas e que vão sendo reeditadas ad eternum. Outras o são de forma quase tácita, sem discussão e respeito às minorias sufocadas pela ausência de discussões através do conhecido método do “rolo compressor”.

Além disso, é verdade, que muitos parlamentares aprovam leis sem saber direito do que tratam ou do seu alcance.

É comum se procurar na chamada ‘vontade do legislador’ (intentio legislatoris) o decantado ‘espírito da lei’ (intentio legis) durante processo de interpretá-la, mas a lei não pode ser petrificada no tempo diante da dinâmica social que a desatualiza e conduz à necessidade de confrontá-la com a Constituição, ponto de partida e de chegada, alfa e ômega, princípio e fim, da atividade interpretativa judicante.

Só o Judiciário cabe avaliar se as leis realizam o primado ético do direito que é constantemente influenciado, como dito, pelo rearranjo dos fatos-valores que plasmam a nação em busca do ‘bom governo’, razão e objetivo supremo do Estado de Direito (CF., arts. 1º, par. ún., 3º e 5º).

Hans Kelsen, com o peculiar rigor técnico, em sua conhecida obra “Teoria pura do direito”, falava de interpretação autônoma e não-autônoma para diferenciar a oriunda de autoridade competente para aplicar a lei da realizada por fonte sem tal atribuição, a saber, a doutrina, que formulando conceitos e construções jurídicas influi sobre a nobre missão de julgar.

A propósito, durante o julgamento do ‘mensalão’, os Juízes e Juízas da Corte Suprema empregaram ‘a teoria do domínio do fato’ (já comentada neste espaço) para incriminar cabeças coroadas da organização da criminosa.

O Poder Judiciário tem assumido certo nível de ativismo em face da inércia e omissão legislativas potencializadas pela repercussão das mazelas e crimes que a atividade da imprensa livre tem permitido levar ao conhecimento do povo, assim como a grande rede virtual de informações, a internet.

Há uma consciência em formação por parte dos cidadãos brasileiros, assim como já pregavam os filósofos gregos de que “a ética é inseparável do direito”, ao conceberem o homem como objeto e produtor de Justiça. Tal requisito será cada dia mais exigido de todos aqueles que exercem função pública ou cargo político-eletivo para o bem de toda a nação.
hildebrando e de brito
pbagora

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